19 de novembro de 2014



“Eu não acredito em gnomos ou duendes, mas vampiros existem.
Vampiros tratam você muito bem, tem muita cultura, presença de espírito e conhecimento da vida. Você fica certo que conheceu uma pessoa especial. Custa a se dar conta de que eles são vampiros, parecem gente. Até que começam a sugar você. Sugam todinho o seu amor, sugam sua confiança, sugam sua tolerância, sugam sua fé, sugam seu tempo, sugam suas ilusões.”




___________________ Crônicas de Martha Medeiros

12 de novembro de 2014



99 COISAS PARA FAZER ANTES DE MORRER


1 — amar, amar de novo, amar sempre
2 — trocar a parceria, se já não é mais possível a cumplicidade
3 — religar um sonho de juventude e se apaixonar perdidamente
4 — checar os instrumentos de voo, sem deixar que o amor à segurança lhe roube o amor à liberdade
5 — morar num país de cultura não-ocidental
6 — ler Finegans Wake, de James Joyce
7 — parar de elogiar Faulkner ou Clarice Lispector só porque os outros elogiam
8 — ler a Bíblia acompanhada de um bom dicionário bíblico
9 — trocar um vício por um novo hábito
10 — passar uma semana num mosteiro ouvindo o silêncio ou o zoar de seus ouvidos
11 — fazer amizade com uma pessoa excêntrica
12 — trocar o emprego por uma diversão, ainda que receba menos
13 — investir na bolsa e jogar num cassino
14 — praticar rapel ou canoagem
15 — faltar a um compromisso sem razão plausível
16 — negar um aval (ou todos)
17 — ficar uma semana sem tomar banho
18 — fazer tatuagens
19 — acrescentar ao seu o sobrenome de um ancestral
20 — examinar suas preferências como se você fosse outra pessoa
21 — perdoar a quem lhe ofendeu
22 — vingar uma maldade
23 — ir ao velório de um desafeto sem ódio e não rezar por ele
24 — dar a você mesmo um presente caríssimo
25 — admitir que errou e tirar experiência do erro
26 — ganhar dinheiro, depois achá-lo irrelevante
27 — não lamentar o tempo perdido
28 — aproveitar o tempo que ainda lhe resta
29 — valorizar as pessoas ao seu redor, por mais humildes que sejam
30 — aprender com os estúpidos
31 — não acreditar 100% em algo ou alguém
32 — converter decepção em ânimo novo
33 — duvidar do fracasso, bem como do sucesso permanente
34 — viver a vida como única, e o instante como último
35 — plantar uma dúvida e disseminar a consciência
36 — descrer das verdades estabelecidas
37 — ver o trivial como um mistério
38 — comover com uma coisa à-toa
39 — mudar para um sítio e cultivar a vizinhança
40 — dormir em rede numa casa construída sobre árvore
41 — aconselhar-se com uma criança
42 — duvidar da auto-ajuda e saltar no vazio com as redes da intuição
43 — fugir da automedicação
44 — suspeitar do médico
46 — ver o outro lado, olhar ao derredor, inclusive por baixo
47 — tomar decisão, apesar da dúvida
48 — descartar o excesso
49 — comprar uma roupa que nunca vai usar, pensando que vai
50 — cantar ópera (no banheiro)
51 — dar um presente a um desconhecido
52 — formar um jardim de ervas daninhas
53 — ter um réptil de estimação
54 — pertencer a uma sociedade secreta ou uma tribo urbana (emo, siriemo, gótico etc)
55 — ir a um terreiro de macumba
56 — achar o pouco bastante
57 — achar o pleno excessivo
58 — lutar espadachim ou esgrima
59 — fortalecer os ossos e os neurônios
60 — fazer sexo em grupo
61 — consultar uma cartomante
62 — aprender tarô só pelo gosto de duvidar
63 — achar Nova York decadente
64 — achar bregas as mulheres de topless na Côte D’azur
65 — afixar no quarto um calendário de borracharia
66 — namorar o(a) porteiro(a)
67 — desposar um(a) príncipe(esa)
68 — revelar um segredo
69 — guardar um segredo para sempre
70 — envergonhar-se das vezes em que não foi honesto
71 — beber absinto e sentir o cheiro das estações
72 — comer bumbum de tanajura numa tribo
73 — passar um dia inteiro com a mãe falando de velhos acontecimentos
74 — atravessar o país de bicicleta
75 — dormir num estábulo
76 — fazer amor no feno
77 — andar a cavalo em pelo
78 — rir do prejuízo que levou (só Deus sabe de antemão o negócio que vai dar certo)
79 — sair pelado(a) no carnaval
80 — declamar Maiakósviski numa festa de empresários
81 — falar de Peter Drucker num encontro de poetas
82 — plantar bananeira na Câmara Federal
83 — dar uma banana pro Senado
84 — chamar um ministro do Supremo de Psit
85 — mijar no Memorial JK
86 — propor pagar uma dívida com a entrega de um rim
87 — ir a pé à festa da padroeira
88 — posar para foto cruzando a faixa da Abbey Road
89 — tomar chope num pub londrino de costas para McCartey
90 — aprender um ofício inútil
91 — namorar sem pensar em casamento
92 — casar com a mesma convicção com que namora
93 — começar um empreendimento depois dos 80
94 — vender um negócio extremamente promissor
95 — lembrar que o passado não existe, que o futuro não existe e que o presente é duvidoso
96 — ver que nem tudo que brilha é lantejoula
97 — separar o trigo do joio e colher o joio
98 — conquistar algo sem dar a alma em troca
99 — manter a serenidade diante de uma perda radical por saber que amanhã será outro dia

POR EDIVAL LOURENÇO

6 de novembro de 2014


PRÍNCIPES SÃO CHATOS


E são mesmo. Perfeitinhos demais. Príncipes não se atrasam, trazem flores e estão sempre impecáveis. São românticos, melosos, querem dormir de conchinha. O sapo não! O sapo é aquele cara que não vai na academia, o cabelo está desarrumado, a barba por fazer. Vai chegar atrasado com um sorriso irresistível, te levar pra tomar um chopp, contar casos e te fazer rir a noite inteira!

Príncipes têm sempre um elogio na manga. Reparam na cor do esmalte, se o vestido é novo, se você pintou o cabelo. Os sapos não querem saber de nada disso! Eles vão te achar linda com os olhos remelentos pela manhã e fazer graça do murundum dos seus cabelos. Eles preferem short e camiseta, e nada de maquiagem.

Príncipes gostam de clima. Te levam num restaurante bacana, depois para a balada da moda. Entendem de vinho, são bons em geografia, e gostam de música erudita. São os queridinhos da espécie feminina sênior da família. Todos o amam, desde a mãe até a bisavó. Dizem que eles são para casar… Mas sei não. Depois de conhecer alguns eu me dei conta de que não encaixo nesse perfil Cinderela, sabe? Bom, talvez eu seja uma princesa de um reino muito, muito, muito distante. Tipo prima de terceiro grau da Fiona, ou coisa parecida.

Sou mais a antítese. Não nego que já fui atraída por príncipes e suas artimanhas. Mas alguns anos depois, o faro mais aguçado, o olhar treinado e novas linhas de expressão me permitiram quebrar o encanto.

Existe outra espécie também conhecida como “lobo mau”. Mocinhas indefesas costumam dizer que eles são terríveis, que só querem comer você, a vovózinha e quem mais passar de saia na frente deles! Ora bolas. São sinceros, não enganam ninguém. E além do mais está na cara que são lobos. Só não vê quem não quer. São objetivos, focados e se a presa não cai, eles pulam pra outra. A verdade é que toda mulher, pelo menos uma vez na vida, precisa andar com um lobo mau. Faz bem para o ego. E também porque ela precisa saber identificar com destreza quem é lobo, quem é sapo e quem é príncipe.

Príncipes dão no saco! Ainda bem que temos útero… No geral são bem vaidosos, sensíveis, compreensivos, cavalheiros. Entendem de moda à política. São viajados, bem informados e cultos. Assistem com você a novela das nove, comédia romântica, Ana Maria Braga… Sem reclamar! Príncipes, em sua maioria, têm grande potencial na cozinha. Preparam massa e carne como ninguém! Sem contar que estão sempre penteados, com um sorriso no rosto e um “sim, meu amor” no canto dos lábios. Coisa chata!

Por isso que os sapos são legais! Porque vão te falar fulana que saiu na capa da “Playboy” e você vai ter um ataque, mas vão terminar a noite dando gargalhada por causa dessa briga idiota. O sapo frequenta todas as turmas. Vai te chamar para o churrasco com os amigos e te abraçar todo sujo de carvão. Ele gosta de aventura, heavy metal, te leva no cinema pra ver todos os filmes do estilo “Senhor dos Anéis”. O sapo encontra com os amigos para jogar futebol e falar besteira. É carinhoso e engraçado, sempre cheio de assunto. Quando você estiver lavando louças ou dando banho no cachorro ele vai dizer que você é a mulher mais linda do mundo e que sem você não sabe viver…

Viva os sapos porque de príncipe estou cheia!

POR KAREN CURI

5 de novembro de 2014


OS HOMENS — ESTES, SIM — DEVERIAM LAMBER OS SEUS CÃES





Para o meu cão, deixo o mundo: osso duro de roer. Para o mundo-cão, deixo um esqueleto no armário: resquícios do poeta que minguou em mim.

Para os grande cânions, deixo pequenas demonstrações de desespero: os meus latidos de inconformismo a ecoarem, a ribombarem contra as rochas e confundirem os ecos.

Para ondas e correntes, deixo as minhas braçadas rio acima.

Para o jardim de inverno, deixo os tais sonhos de uma noite verão. Vocês verão — prezados lírios — que, de tão simplórios, até poderiam ser chamados delírios, ao invés de sonhos.

Para o pó da estrada, deixo mais que as pegadas. Deixo histórias para serem contadas sem muito entusiasmo, mas também sem histeria, pois de exageros já basta ter nascido.

Para a lua cheia, deixo a denúncia vazia de que São Jorge caiu do cavalo e não virá essa noite para o jantar, a fim de matar dragões. Por outro lado, aquele faminto séquito de poetas permanecerá sentado nos banco das praças desta cidade, colocando as suas vidas em risco (a violência urbana está mesmo de matar), ansiosos por inspirações incríveis dignas de uma noite enluarada.

Para os céticos convictos — parceiros de muito pragmatismo e solidão nas confraternizações familiares — deixo amuletos em prol da assepsia de demônios. Mas que não deem a eles o menor crédito, nem mesmo a este testamento, que foi escrito sob a égide de uma profunda, lamentável condição humana.

Para as mulheres que amei, deixo tudo aí como está: gonococos, lábios que beijei, doces recordações e um ligeiro grau de indelicadeza ao dizer adeus.

Para os cães emocionados que lambem os seus donos como se não houvesse amanhã, deixo a minha admiração irrestrita. Os homens é que deveriam lambê-los.

Para os melhores amigos deixo meus piores defeitos. E vamos ver mesmo quem é que vai aguentar.

Para os meus desafetos, deixo uma distância segura que nos conservará diferentes e felizes.

Para o biógrafo decadente, deixo pistas falsificadas que o conduzirão a um ser humano probo e admirável que, certamente, não serei eu, mas um personagem fotogênico que merecerá tese, discurso, inclusive um busto na praça, e toda aquela gama de excrementos que um bando de pombos incontinentes possa evacuar.

Por sinal, deixo às pombas da paz as minhas ameaças de guerras interiores.

Para os soldados em campo, deixo as minas dos meus subterrâneos, uma explosão de sentimentos que fará aquela famosa Rosa de Hiroshima parecer uma reles erva daninha no canteiro.

Para o governo local, deixo os neurônios desgovernados que furtei de um poema.

Para os senhores da Receita, deixo os porcos, as pérolas, todas as minhas economias, inclusive os beijos e afagos que soneguei. Multem-me, arrestem os meus bens, mas — para o seu próprio bem — não repitam os meus equívocos!

Para os exorcistas, deixo as portas destrancadas. Não haverá resistência.

Para os homens de fé, deixo o crucifixo de bronze que usava para coçar as costas, e velas de sete dias para assar marshmallows.

Para doutores da alma, deixo picanhas no freezer.

Para Deus, o meu perdão.