25 de abril de 2017

Desilusão

Desiludido com o mundo, Afrânio concluiu: “ uns são filhos da puta, outros só não o são porque a mãe é estéril ”

Decidido ao suicídio, no alto da falésia hesitou: “ no mar não me lanço que é demasiada sepultura. Como receberei flores entre tanto peixe faminto? ”

Ante a fogueira, Afrânio desfez as contas: “ Na labareda, não. Como me distinguiria, depois, entre a cinza da lenha ardida? ”

Quando na alta copa se pensou pendurar, uma vez mais ele se avaliou. E recordou o vizinho Salomão que, de enforcado, se converteu em fruto, seiva correndo na veia, polpa viva a seduzir a passarada.

Afrânio regressou a casa, resfregou as solas sobre os tapetes, a esposa festejou o novo alento. "Engano seu, mulher , respondeu Afrânio. Eu apenas escolhi outro suicídio. A minha morte é este viver"

22 de abril de 2017

15 de abril de 2017

KAFKA À BEIRA-MAR - HARUKI MURAKAMI

Em certas ocasiões, o destino se assemelha a uma pequena tempestade de areia, cujo curso sempre se altera. Você procura fugir dela e orienta seus passos noutra direção. Mas então, a tempestade também muda de direção e o segue. Você muda mais uma vez o seu rumo. A tempestade faz o mesmo e o acompanha. As mudanças se repetem muitas e muitas vezes, como num balé macabro que se dança com a deusa da morte antes do alvorecer. Isso acontece porque a tempestade não é algo independente, vindo de um local distante. A tempestade é você mesmo. Algo que existe em seu íntimo. Portanto, o único recurso que lhe resta é se conformar e corajosamente pôr um pé dentro dela, tapar olhos e ouvidos com firmeza a fim de evitar que se encham de areia e atravessá-la passo a passo até emergir do outro lado. É muito provável que lá dentro não haja sol, nem lua, nem norte e, em determinados momentos, nem hora certa. O que há são apenas grãos de areia finos e brancos como osso moído dançando vertiginosamente no espaço. Imagine uma tempestade de areia desse jeito.
KAFKA À BEIRA-MAR - HARUKI MURAKAMI

9 de abril de 2017

Florescerei

Eu não culpo o amor. Confesso que perdi um pouco da doçura que outrora trazia comigo. Confesso também que os últimos dias tem sido pesados. Eu ajoelho e peço que Deus acalme o meu coração. Peço que ele me ajude a entender que todos erram, que as feridas cicatrizam, que o perdão cura a gente. E dói. Pesa. Ainda acredito no amor, embora não acredite tanto nas pessoas. Ainda acredito que o sol vai raiar. Por vezes sinto que planto amor e colho dor, mas Deus sussura: "menina, você plantou no solo errado". Não importa quão boas sejam as sementes, se o solo for ruim, não florescerá. E foi. E machuca. Eu choro e sinto o abraço de Deus, aprendo a entregar meu coração totalmente a Ele, que sabe tudo de amor, e tudo de mim, que é o jardineiro, que tem cortado alguns dos meus galhos para que frutos novos possam nascer. Agora no chão, amanhã florescerei.

Drica Serra; a menina e o violão.

4 de abril de 2017

Sexo online

"Georg Simmel observou muito tempo atrás que a medida do valor das coisas é o sacrifício necessário para obtê-las. Um número maior de pessoas pode fazer sexo” com maior frequência. Porém, paralelamente a isso, cresce o número dos que vivem sozinhos, se sentem solitários e sofrem de agudos sentimentos de abandono. Essas pessoas que buscam com desespero fugir à dor desses sentimentos são assediadas pelas promessas de mais “sexo on-line”. E acabam compreendendo que, em vez de lhes saciar a fome de companhia humana, o sexo proporcionado pela internet só aumenta a sensação de perda e o sentimento de humilhação, solidão e privação da experiência do calor humano. Cabe lembrar outra questão que vem à tona quando se avalia o saldo de perdas e ganhos. Os sites de relacionamento pela internet (e mais, os sites que oferecem sexo instantâneo) tendem a apresentar parceiros para transas de uma só noite em catálogos nos quais os “produtos disponíveis” são classificados de acordo com marcas selecionadas – altura, tipo de corpo, origem étnica, pelos corporais etc. (os critérios variam de acordo com o público-alvo e com o que se considera “relevante”).
Desse modo, os clientes podem ajustar o(a) parceiro(a) escolhido(a) a partir de pedaços ou partes que parecem determinar a qualidade do conjunto” e os prazeres sexuais desejados. Nesse processo, de algum modo, o “ser humano” se desintegra e desaparece: não se vê mais a floresta para além das árvores."